Intervenção – Festival Uma Revolução Assim

Foto: Beatriz Pequeno (@beatriz.pequeno)

Muito boa tarde a todas e a todos os presentes!

Em nome do Movimento Porta a Porta, agradecer o convite para aqui estarmos e partilhar experiências, visões e felicitar todos aqueles que tornaram este Festival possível: em nosso nome, muito obrigado e bem-haja a todos vós!

Estávamos no jantar de natal de amigos de Dezembro de 2022. À volta daquela mesa, vários como eu, não falavam da consoada, da família ou das prendas de última hora que faltam sempre comprar. Nem tão pouco do bacalhau, dos doces ou dos vinhos.

Assim como que devagarinho toda a mesa lamentava problemas com a habitação.

Uns haviam acabado de ver a prestação do crédito à habitação duplicar.

Outros tinham visto extinto o seu contrato de arrendamento ou a renda subir para valores que não conseguiam pagar.

Todos pensavam como seria o seu próximo ano.

O problema ali presente, as casas, os custos das casas, a precariedade das casas.

E com isto, vidas que ficam no fio da navalha e um ansiedade constante!

Até que alguém exclama: “Mas estamos mesmo todos, de algum modo, a ser apanhados por isto?”. “Estamos! Ou melhor, já fomos apanhados por isto!” – responde outro!

E ainda assim, à volta daquela mesa, com o cutelo das dificuldades em ter ou pagar casa ali bem espetado ao centro, sabemos bem que muitos outros há cujos os problemas chegaram bem mais cedo neste domínio e com consequências bem mais severas.

Quando é que isso nos chega? Não sabemos.

Não sabíamos naquela altura e não sabemos hoje!

Mas o espírito era o de natal, momento onde fazemos das fraquezas forças, das dificuldades coragem e se lançam sementes de esperança, e alguém diz: “Bem, temos que fazer alguma coisa!”.

Poucos dia a seguir ao Ano Novo lá veio um convite para um Café!

É hora de arregaçar as mangas e agir.

Marcámos mais um jantar e decide-se uma reunião, online, onde juntamos mais uns amigos e desafiámos esses amigos a trazer outros amigos e colegas, era preciso dar corpo ao agir que queríamos ter!

Dessa reunião nasce a decisão da criação do Movimento, deste movimento que aqui vos falo. Nasce com essa decisão o seu nome e o seu Manifesto.

Porta a Porta porque não havia porta ao nosso lado que não tivesse esse problema; Porta a Porta porque não há solução para este problema sem irmos a cada uma das portas dizer Anda! Levanta-te! Luta! E só com essa força conseguiremos impor as políticas públicas de habitação alternativas que fazem falta a todos aqueles que vivem e trabalham no nosso país.

No nosso Manifesto escrevemos “Para termos família, precisamos de casa; para trabalhar, precisamos de casa; para estudar, precisamos de casa; para envelhecer, precisamos de casa; para Viver com Dignidade e em Liberdade, precisamos de Casa!” e acrescentámos “As dificuldades impostas no acesso à habitação colocam diariamente milhares de pessoas em situações de extrema vulnerabilidade social, na incerteza de saberem se os seus contratos de arrendamento vão ser renovados, se e quando vão ser despejados, se e quanto as rendas e os créditos à habitação vão aumentar, vendo o seu futuro hipotecado. Os problemas que, hoje, se enfrentam na habitação não são conjunturais – estamos perante um problema estrutural e profundo sobre o qual é urgente agir e contra o qual é imperativo combater, exigindo e construindo soluções. Este não é um problema individual – é um problema de todos nós! Rara será a pessoa ou a família que hoje, de norte a sul do país e ilhas, não se confronta com dificuldades no acesso a uma casa ou na manutenção da sua habitação. São muitos milhares aqueles que não conseguem ter uma casa digna onde viver; são muitos jovens que abandonam o sonho de estudar por não conseguirem pagar um quarto para permanecer; são muitas as famílias que têm de caber num só quarto; são muitos os trabalhadores e trabalhadoras que se amontoam em divisões transformadas em camaratas ou que, impossibilitados de pagar uma renda, se vêem forçados a chamar à rua casa!”.

E perante isto, lancámos-nos um desígnio, desígnio esse com que encerrámos esse texto fundador: “Somos o Porta a Porta – Casa para Todos, Movimento pelo Direito à Habitação, em luta, vamos bater às portas que forem necessárias, para que não haja ninguém sem porta de casa por onde entrar.”. E assim fizemos, e, por isso, aqui estamos!

Passaram quase dois anos e hoje está pior ter Casa para Viver!

Não desanimámos, pelo contrário, crescemos.

Hoje o Porta a Porta é um movimento nacional, com núcleos em quase todos os distritos do país e ilhas. Homens e mulheres que estão com o problema às costas e dão um pouco de si à luta por uma causa que nos é transversal a todos nós!

E mantemos a certeza inicial: é na mobilização geral das pessoas para as ruas que reside a força que precisamos de somar para impor ao poder político as soluções que de facto fazem falta a todos aqueles que vivendo e trabalhando no nosso país precisam de Casa para Viver!

Foi essa força de rua que obrigou a que o problema da habitação saísse do silêncio da casa de cada um e viesse para a praça pública e ser debatido.

Foi a força de rua que obrigou o anterior governo a apresentar, in extremis, o “+ Habitação”.

Foi essa força de rua que fez da habitação tema central das eleições legislativas deste ano.

Foi essa força de rua que colocou a habitação como tema central das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Foi a essa força de rua que o actual governo se agarrou para, perante a explicita insuficiência do pacote anterior, se tentar legitimar na apresentação um novo e ainda mais perverso pacote de medidas que, dizem eles, ser para a habitação e a que chamou “Construir Portugal”. Mais certo teria sido chamarem-lhe “Construir lucros”, porque é o que é de facto.

É essa força de rua que vai impor as soluções necessárias a quem precisa, vivendo e trabalhando no nosso país, de Casa para Viver!

Nesta luta importa desmontar os becos e atalhos onde nos querem enfiar, para dividir!

Há grupos sociais mais afectados pelo problema das dificuldades de acesso à habitação?

Sim, claro que há!

Os migrantes, as famílias monoparentais, os funcionários públicos deslocados, os estudantes, os mais idosos!

Mas há duas condições transversais a todas estas pessoas e que também afectam todos os demais que estão a braços com este problema, para nós, o busílis da questão:

Em primeiro lugar, os valores altíssimos das rendas, onde a informalidade se banalizou, sem controlo e com contratos de muito curta duração, sendo que a esmagadora maioria deles é de 1 ano ou menos, e o valor das prestações do crédito à habitação que pesa sobre todos aqueles que foram obrigados a comprar casa porque ainda assim era uma opção mais barata do que arrendar, agravados pelo facilitismo dos despejos e sem a protecção da lei,

agravado pela segunda componente do problema, que são os baixos salários, reformas e pensões.

As pessoas não sonharam ser proprietárias, as pessoas apenas querem uma Casa para Viver.

Para que servem afinal as casas?

Julgando pelo prisma da banca, servem para dar lucro.

Reparem, os cinco maiores bancos nacionais, em Setembro de 2021, dois meses depois da primeira subida de juros pelo BCE, somavam 3,9 milhões de euros de lucros por dia.

Passados três anos deste caminho, só nos primeiros seis meses deste ano de 2024, os cinco maiores bancos a operar em Portugal, acumularam, por dia, mais de 14,5 milhões de Euros de lucros à conta destas taxas de juros.

Se olharmos ao prisma dos senhorios, em Setembro de 2021, o preço médio nacional do m2 do arrendamento era de 10,8€.

Em Agosto deste ano o preço médio nacional do arrendamento foi de 16,3€.

Ou seja, as rendas subiram mais de 50% em 3 anos, e destes, 8% foi no último ano.

Notem bem, estes são os valores médios nacionais.

O problema agrava-se consideravelmente nas áreas metropolitanas e distritos litorais, no Algarve e nas ilhas.

E isto é o que conhecemos, porque mais grave ainda são os dados divulgados pela auditoria da Inspecção Geral de Finanças que assegura que hoje mais de 60% dos contratos de arrendamento não são declarados ao fisco!

Qual é então a realidade de facto?

Qual o efectivo valor médio do preço do m2 do arrendamento?

Qual é a duração média dos contratos de arrendamento?

Mas continuemos a tomar como verdade os números conhecidos, partindo dos tais 16,3€ por m2 de arrendamento actualmente: um T2, com 80m2, custará de renda mensal 1304€.

Se for na área metropolitana de Lisboa, já chega aos 1584€ por mês.

No nosso país, cerca de dois milhões e setencentos mil trabalhadores dos quatro milhões trezentos e cinquenta mil  que o nosso país tem 2 705 906 pessoas dos 4 356 430 trabalhadores  ganham menos de 1.000€ por mês. Mais óbvio ainda, 62,11% do total de trabalhadores ganham um salário a que, no mínimo, faltam 25% do valor para pagar uma renda de um T2 a preços médios nacionais, os tais 1304€.

Para que servem afinal as casas no nosso país?

É isto um país para viver ou para vir ver?

O turismo completamente massificado, em cidades que não têm mais capacidade para receber estes fluxos turísticos, e lá ficamos nós com os impactos que isso tem na habitação enquanto consequência.

Construção pública? Cooperativas reais de habitação? Isso, é ideologia.

Mas, hotéis, alojamento turístico e habitação de luxo em todo o lado? Isso já é o racional, já é o bom para a economia, aumenta o PIB.

Já agora, as rendas e as prestações, também podem ser pagas com PIB e com mercado, com turismo?

Os primeiros a perguntá-lo são mesmo os trabalhadores do Turismo: mal pagos, precários e explorados até ao último sopro.

Para que servem afinal as casas no nosso país?

Também não aceitamos a narrativa acrítica da falta de oferta!

Há oferta, aliás, temos um dos maiores rácios dos países da OCDE de casas por família, em concreto, 1,4 casas por família. Mais, os Censos 2021 mostrou que temos no país 723215 casas vazias, das quais 348097 estavam no mercado. E tem existido construção, sim, mas de hotéis, de alojamento turístico e de habitação de luxo e é esta construção que usurpa solos, que coloca as nossas cidades com problemas de sustentabilidade e segurança que eles querem continuar quando propalam a falta de oferta… Não pode ser!

Mas não se ficam pela oferta, os mesmo que dizem que o Estado não pode intervir, não pode regular rendas ou aumentar contratos, são os mesmos que pedem ao mesmo Estado que revogue os contratos anteriores a 1990, que peguem ao Estado que os contratos tenham ainda uma duração mais reduzida, ou são os mesmo que pedem ao Estado as soluções de natureza fiscal que apenas a eles servem, os mesmos de sempre, os que já mais tem capital e propriedade. Vejamos as isenções do IMT que beneficiam quem pode pagar mais e vejam-se os incentivos fiscais ao rentismo, os Vistos Gold, os Investimentos Solidários (sem se rirem deste nome por favor!), o Estatuto do Residente Não Habitual, os apoios do Banco Europeu de Investimento, entre tantos outros exemplos.

Isto só resulta numa coisa: a constante transferência de rendimentos do trabalho para o capital.

A oferta e qualificação que tem que aumentar é a do parque público, tal como tem que se  mobilizar os devolutos, todos os devolutos, para a oferta habitacional permanente. Para que servem as casas senão para morar?

É perante isto que importa agir!

É urgente regular os preços das rendas e aumentar a duração dos contratos de arrendamento para períodos não inferiores a 10 anos. As pessoas precisam de previsibilidade e estabilidade na vida. Porque as casas servem para viver!

É urgente garantir que nenhuma prestação ao banco de créditos para primeira habitação tem um custo superior a 35% dos rendimentos líquidos do agregado familiar que habita aquela casa. Porque as casas servem para viver!

É urgente pôr fim aos despejos, às desocupações e às demolições que não tenham alternativa de habitação digna e que preserve a unidade familiar na sua área de residência. Porque as casas servem para viver!

É urgente aumentar e qualificar o parque público de habitação. Porque as casas servem para viver!

É urgente controlar e reverter o alojamento turístico! Porque as casas servem para viver!

É urgente travar os benefícios fiscais que impactam com a habitação! Porque as casas servem para viver!

É urgente mobilizar os devolutos para a oferta pública de habitação. Porque as casas servem para viver!

É urgente aumentar salários, reformas e pensões, a sério! Porque as casas servem para viver e é preciso garantir vidas dignas!

É por isso que já este sábado saímos à rua em vinte e duas cidades do nosso país, tendo pela primeira vez acções nos açores e na madeira.

É preciso sair à rua em unidade e por Casa para Viver!

E até lá, este ainda é o tempo de fazer essas acções crescer! Divulgar. Falar com os familiares e os amigos, falar com os colegas de trabalho e os vizinhos! Voltar a divulgar!

Temos encontro marcado às 15h em Lisboa, na Alameda, no Porto na Praça da Batalha.

Mas o nosso trabalho não para em mais esta Manifestação.

Continuamos!

Já no mês de Outubro queremos entregar na Assembleia da República a Petição pelo Direito à Habitação em Portugal que o nosso movimento está a promover e que desde já convidamos todos a divulgar e a subscrever, podendo faze-lo desde já em portaaporta.pt.

Somos um movimento de protesto e de proposta! Estamos aqui para combater e dialogar! Até alcançarmos as soluções imediatas que fazem falta a todos aqueles que vivem e trabalham no nosso país.

Reparem neste pormenor… as soluções que propomos não pedem investimento do Estado e algumas delas podem inclusive aumentar as receitas estatais! O que é que está mal aqui? Os governos que defendem pela sua acção politica aqueles que lucram com as casas! É para isto que as casas servem?

Nós vamos continuar!

Apelamos a todos a que divulguem o Porta a Porta e que somem a vossa força e vontade à nossa, que se juntem a nós! Vamos transformar este movimento numa torrente, em força viva, em vida de Abril com a força que Maio lhe deu, com a força da nossa Constituição e do seu Artigo 65. Todos os que temos as operações SAAL na memória e no coração como inspiração.

Todos e agora, porque é agora que as soluções fazem falta e o problema está a piorar!

É por isso que é importante ir, continuar e aumentar a LUTA, com CORAGEM individual e colectiva, com EXPERIMENTAÇÃO, porque já vimos que as politicas que nos trouxeram aqui não nos vão tirar desta situação, com a EMPATIA que é fundamental no processo popular de construção da unidade de base e sem medo VIOLÊNCIA, porque violenta, extremamente violenta, é, a todos os segundos, esta situação que vivemos.

Para que servem as casas? As Casas servem para viver! Para viver! Para viver!

“Somos o Porta a Porta – Casa para Todos, Movimento pelo Direito à Habitação, em luta, vamos bater às portas que forem necessárias, para que não haja ninguém sem porta de casa por onde entrar.”.

Muito Obrigado!

André Escoval – Movimento Porta a Porta – Lisboa, 26 de setembro de 2024