08 Out 4 Outubro Intervenção – Festival Uma Revolução Assim
Debate aberto: Identidade, Indiferença, Cuidar, Diálogo, Democracia
Boa tarde a todas e a todos os presentes!
Em nome do Movimento Porta a Porta, agradecer o convite para aqui estarmos, pela oportunidade de partilhar as nossas reflexões e felicitar todos aqueles que tornaram este Festival possível: em nosso nome, muito obrigado e bem-haja a todos vós!
Está pior ter casa para viver.
Em finais de janeiro era possível ver os efeitos políticos dum governo que respondia à soma de três grandes ações de luta pelo direito à habitação: o fim dos Vistos Gold, o fim dos Residentes não habituais, restrições ao alojamento local e uma regulação de preços das rendas, ainda que muito limitada.
Apesar de insuficientes, essas medidas surgiam como uma tentativa de apaziguamento com a luta de massas, mas davam-nos condições para afirmar que o anterior governo havia recuado.
Agora a situação é diferente.
Hoje, uma nova correlação de forças, saída de duas eleições, partiu para a ofensiva e, numa postura agressiva e provocatória, reverteu as poucas conquistas que haviam sido alcançadas pela luta — logo após a sua tomada de posse.
Há de facto uma luta ideológica em torno dos problemas da habitação. Esta é dirigida por mais um governo de direita que tem como objetivo defender os interesses da classe que lucra com a crise da habitação:
• os cinco maiores bancos a operar em Portugal (BCP, BPI, CGD, Novo Banco e Santander) com os mais de 14,5 milhões de Euros de lucros diários, à conta das taxas de juro;
• os grupos de investimento imobiliário estrangeiro, que representam uma das maiores fatias do investimento externo direto no país;
• as grandes empresas imobiliárias nacionais, donde ressalta o exemplo de 10,6 milhões de euros de lucros em vendas de imóveis de luxo, anunciados por uma só (Vanguard Properties) durante o primeiro semestre, face aos 8,8 milhões de euros acumulados no mesmo período do ano anterior.
Estas e outras instituições financeiras, juntamente com grandes investidores, podem continuar a contar com a atual maioria de direita na Assembleia da República, o atual governo e as suas políticas, para manter os seus privilégios de classe, subjugando o direito à habitação.
Seja com pézinhos de lã ou com botas cardadas, a ofensiva que hoje enfrentamos recorre a estratégias, baseadas em falsas narrativas, para nos procurar dividir — não podemos aceitar!
Quando alguns nos dizem que o problema se deve à falta de oferta de casas, esses não estão apenas a encobrir o seu total desinteresse em executar políticas concretas de regulação do mercado da habitação. Estão antes a induzir a ideia de que o problema será resolvido, a prazo, sem que para isso se tenham que comprometer os interesses estabelecidos: insistem na liberalização da habitação, na conceção da casa enquanto mercadoria e não como um bem essencial acessível a todos. Ora, sabemos que nem o aumento da construção privada, nem a alienação do património público, irá baixar os preços das casas — sobretudo quando a maior parte da nova construção se destina aos sectores do luxo ou do turismo.
Quando nos dizem descaradamente que os imigrantes são os culpados pela crise da habitação, manobrando de forma abjeta o real sentimento de desespero e frustração das pessoas que enfrentam grandes dificuldades, não procuram apenas desviar as atenções dos verdadeiros responsáveis, mas instigar a divisão da classe trabalhadora, colocando uns contra os outros. Querem dividir para reinar!
De uma forma ou de outra, ambas as estratégias em curso, procuram desviar as atenções dos responsáveis e, simultaneamente, fortalecer a classe exploradora e a função do mercado, dos que estão por trás da crise da habitação que hoje enfrentamos!
Passada aquela que foi a 4ª jornada de luta pelo direito à habitação em pouco mais de um ano e meio, onde milhares de pessoas, em 22 cidades de norte a sul do país, saíram às ruas para exigir Casa para Viver, o que podemos fazer agora?
Só com unidade conseguiremos vencer os desafios que temos pela frente!
Uma unidade alargada e diversa, consciente das diferentes realidades que a compõem, mas que procure ser agregadora pela sua natureza de classe. Porque o problema é de classe. Uma unidade contra uma ideologia perversa que, enquanto se recusa a tomar medidas que sirvam os trabalhadores e o povo, vai acorrentando as necessidades mais básicas da grande maioria. Esta grande maioria são:
· o número crescente de pessoas em condição de sem abrigo sujeitas à exclusão e à miséria;
· milhares de migrantes explorados, forçados a pernoitar nas ruas, ou em casas sobrelotadas por não conseguirem casa para viver;
· moradores de bairros periféricos, marginalizados por décadas de abandono;
· pessoas obrigadas a construir as suas casas com os seus próprios braços e que as vêem ser demolidas sem que tenham uma alternativa digna;
· trabalhadores assalariados, os mesmos 65% com salários abaixo dos 1000 euros, que não conseguem um rumo para a sua vida;
· milhares de estudantes que se vêem privados de oportunidades e de um futuro;
· jovens licenciados sem estabilidade para constituir família incentivados a emigrar;
· pessoas e famílias inteiras que viram o crédito à habitação ser brutalmente aumentada por imposição do BCE;
· funcionários públicos deslocados entregues às imposições do mercado;
· os mais idosos com baixos rendimentos sujeitos à condição de despejo numa situação de enorme fragilidade;
· pequenos comerciantes que se sacrificam para manter o seu negócio;
· Associações e coletividades com centenas ou milhares de associados, que não conseguem uma casa para conviver, assim como outras mais antigas, que por via da especulação, na iminência de despejo.
Nós somos a grande maioria, com toda a nossa diversidade, e só com unidade conseguiremos vencer os desafios que temos pela frente! Em vez de dividir, precisamos de cuidar da nossa unidade e trabalhar todos os dias para que tenha mais força.
Lutar pelo direito à habitação não é um ato radical. Ter uma casa para viver é um direito nosso, consagrado no Art. 65 da Constituição. Conhecemos, até, as medidas que precisam ser tomadas para garantir que todos tenham uma Casa para viver. Medidas que, na sua esmagadora maioria, não representam custos e que só dependem de vontade política para serem executadas.
- Comecemos por aquela que é um investimento estrutural e com efeitos de longo prazo, eventualmente, a única que representa investimento, mas de alto retorno: Aumentar o parque público habitacional em Portugal: é urgente mais habitação pública e mais alojamento público estudantil. Também é neste domínio que importa dizer que o problema não se resolverá ao nível municipal. Observamos como municípios diferentes atuam em grandes projetos de reabilitação e realojamento, enquanto outros assumem intenções de despejos em massa. Estamos cientes que só um programa nacional alicerçado no governo central dará aos municípios os meios e recursos necessários para investir na habitação.
- Baixar efetivamente as taxas de juros nos empréstimos, devendo ser os lucros — e não a população (!) — a pagar as opções do Banco Central Europeu! Em concreto, se quando uma família que celebra um contrato de crédito lhe é exigida uma taxa máxima de esforço de 35%, então o Estado também tem de garantir que ao longo desse contrato, essa mesma prestação não represente mais que 35% dos lucros líquidos dos titulares desse crédito de primeira habitação.
- Travar o aumento das rendas através da sua regulação, adequando-as aos rendimentos das pessoas;
- Garantir a estabilidade nos contratos de arrendamento, aumentando desde já a duração dos mesmos, no Regime do Arrendamento Urbano para um mínimo de 10 anos, assegurando a renovação dos contratos atualmente em vigor;
- Combater a informalidade no arrendamento;
- Cessar, de uma vez por todas, os despejos sem alternativa habitacional digna.
Estas são as soluções que propomos e que devem servir de base à nossa luta comum porque são a efetiva solução para o problema que vivemos. Propostas que devolvem a função social da habitação, como primeiro elemento das casas e que, com isso, concretizam a nossa constituição — âncora maior do nosso processo de luta comum: o projeto de Abril.
Contudo, as forças que nos impedem (os interesses financeiros, as políticas que os servem, o divisionismo, os media, a indiferença) levam a que tenhamos de ser estratégicos e comprometidos com uma luta, que pode levar tempo.
Por esse motivo, não podemos cair na expectativa de certas ações que, à primeira vista, possam parecer promissoras e impressionantes, mas que na realidade não vão trazer resultados significativos; não podemos cair em ações que nos possam deixar numa situação pior do que aquela onde estamos, individualmente e coletivamente; nem ações que possam vir a afastar outros que, à partida, também estariam ao nosso lado (ou até os que já aqui estavam).
A luta vai exigir tempo, paciência e coragem, a soma de esforços, num caminho sinuoso e nem sempre regular, mas todos juntos sabemos que vamos vencer!
“Somos o Porta a Porta – Casa para Todos, Movimento pelo Direito à Habitação, em luta, vamos bater às portas que forem necessárias, para que não haja ninguém sem porta de casa por onde entrar.”.
Muito Obrigado!
Pedro Carvalho – Movimento Porta a Porta
Lisboa, 04 de outubro de 2024